São onze da noite, a praia está vazia e não há um único foco de luz além dos barcos perdidos e das estrelas, hoje mais que muitas. Não corre uma brisa e o ar está quente mas consigo sentir a maresia na pele a cada rebentação. Disperso, ecoa um silêncio falante…sim, o silêncio das estrelas que há bem pouco tempo aprendi a ouvir. Deixo-me percorrer pela paz que me transmitem, como se só existisse eu e o pouco que os meus olhos alcançam entre a escuridão... como se cada ponto de luz no céu me sussurrasse baixinho, me entendesse, me falasse. Sozinha no meio do imenso areal… só o barulho das ondas e a luz das estrelas. Lá longe ainda ouço alguém falar depressa. Ecoa pela praia vindo não sei de onde, cada vez mais abafado… até que se perde. Deito-me no areal húmido e sinto o frio trilhar-me o corpo e manter-me acordada. Sem dar conta, estou a respirar ao compasso do barulho das ondas, como se me confundisse com aquele lugar perfeito. Respiro fundo umas quantas vezes. Tento varrer de mim as memórias. Não quero pensar em nada… mas é inevitável. Enterro as mãos na areia, tacteio-a e deixo-a escapar-se de mim por entre os dedos como se fosse o passado, grão a grão, memória a memória. A comparação é absurda e disparatada mas traz-me algum consolo e surge como refúgio perfeito. Concentro-me e deixo-a tomar ainda mais sentido, mais seriedade. De repente, num gesto seco, fecho a mão. Com o punho cerrado consigo sentir as unhas cravarem-se na pele, cada vez com mais força. Deixo vir à memória todas as recordações, tudo o que quero deixar para trás, de vez. Fico alguns segundos a reflectir e então, devagar, vou aliviando os dedos e deixando escapar a areia, lentamente. Deixo-a levar de mim todas as memórias, tudo o que pertence ao passado… deixo-a levar-te de mim. Levanto-me devagar, tenho o corpo entorpecido e a areia a escorrer pelas costas. Está agora um vento fresco e agressivo… o frio da areia húmida era bem mais confortável. Sustenho a respiração por uns segundos. Sinto-me estranha! Apesar de toda a areia ainda colada ao meu corpo sinto-me mais leve, muito mais. Fito o céu num último relance de olhar e, de repente, vejo uma estrela cadente, como se fosse a ultima réstia de memória a esvair-se. Foi assim que a senti, foi assim que me falou… foi assim que quis que me falasse, foi assim que levou de mim o resto do que era teu, para sempre! Solto um sorriso incontrolável, em jeito de grito de independência. Sinto agora o vento enérgico chicotear a areia contra a minha pele, cada vez com mais força e fecho os olhos de repente… a frase que um dia alguém me segredou ainda soou baixinho na minha cabeça “Lembra-te, o destino é imutável, não tentes fugir dele”. Sabes que mais? Eu não acredito no destino, acredito no amor…
] Dany
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