[Excerto da entrevista a Miguel Esteves Cardoso publicada na edição de 15 de Dezembro de 2006 do suplemento 6.ª do Diário de Notícias]
Há pessoas que são muito regradas, muito certinhas, comem peixe cozido, bebem só meio copo de vinho tinto ao jantar, querem viver até aos noventa anos. E há outras pessoas que preferem viver a vida a fundo, mesmo que arrisquem morrer aos cinquenta...
Foi assim que eu vivi a minha vida.
(...)
Eu devia estar morto, não é? Devia ter morrido. Mas não morri. Então deixei de fumar, estou numa espécie de limbo, por ter voltado à vida. Tenho muito mais cuidado, bebo muito menos.
Não me digas que te vais transformar num daqueles convertidos ao higienismo, com tendência para a repressão quase fascista dos prazeres de que abdicaram...
Isso não. Tenho imensas saudades de fumar, por exemplo. Mas não fumo. Porque eu fumava que nem um cavalo. Oitenta cigarrilhas por dia. A questão é que eu gosto imenso da vida. Sou muito feliz. Desde que casei, então, felicíssimo. E esta experiência da quase morte faz com que aprecies outras coisas... Ver um azul do céu, essas merdas. E os dias. Começas a apreciar a vida, a respiração, acordar bem-disposto, a água do banho. Enquanto antes eram só coisas adquiridas, livros que compravas, drogas que arranjavas, whiskeys que tinhas em casa. Os prazeres eram todos caçados por ti. Ias buscar este jornal, fazias a marguerita com a tequila, snifavas a coca, mandavas vir da Amazon Books não sei quê. Todos os teus prazeres eram coisas que tinhas comprado. Depois do susto da morte, e se todas as pessoas que têm uma experiência destas o referem por alguma razão é, depois do susto da morte os prazeres deixam de ser esses. Passa a ser o barulho de um carro a passar. O tique-tique. O estarmos aqui. Este castanho em cima do branco.
Alegrias simples...
É estares vivo, pá. Estando morto não fodes, não fumas, não bebes. De certeza. Porque eu ainda posso fumar, se me apetecer. Não fumo há um ano e tal, mas tenho ali charutos. Se quiser, fumo. Isso anima. Se me acontecer uma grande desgraça, se explodir uma bomba aqui ao lado, foda-se, vou acender um cigarro. Posso. Agora, se estiver morto, não posso. Parece um truísmo, mas é muito importante. O estar vivo... Podermos arrancar os dois para a Argélia amanhã, se nos der na veneta. Isso é muito bom.
Cultura MEC. Eu cá gosto!
] Dany
Sem comentários:
Enviar um comentário